Criança Noite

À torto e à direita falam
Que a noite criança é.
De tal sofisma, com ênfase, discordo
E imagino o breu como perspicaz pessoa.

Traz-nos, ela, coisas terríveis, não raro.
Lateja-nos as dores com ímpeto maior;
Aguça-nos ouvidos para além do real;
Passa-nos, ao rosto, o que anda indo mal!

Maior que dor e além,
A sombria noite nos traz também,
Dos medos todos, o pior:
O eu!

O eu no breu é insônia certa,
São olheiras ideléveis e delatantes,
É face a face com o purgatório próprio
Se andamos traçando caminhos tortos.

Se o eu, por acaso, incompleto está,
Em meio às sombras nos trará o outro alguém
E se outro alguém não há,
Vir-nos-á saudade do que não foi.

O que está para vir, vem intenso no escuro.
Nele tentamos transpor imenso muro.
Imersos na ânsia do incerto amanhã,
Aborrecemo-nos com o que talvez nem venha.

Se o dia rápido parece,
Insuficiente para a rotina,
Escasso para conquista qualquer,
A noite interminável é!

Se em branco passada for,
Amolece qualquer vigor,
Mareja os insensíveis olhos
E embrutece delicada flor.

Diga-me então que criança é essa?
Se até mesmo for em festa,
De ingênua o que lhe há,
Que suas trevas não me deixam enxergar?



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