SE EU FIZER A MINHA PARTE, ALGO VAI MUDAR?

Há um discurso muito forte e que escuto desde a minha mais tenra idade, que diz que para o mundo melhorar, cada um precisa fazer a sua parte.
A partir daí, aprendi que o papel que eu  não jogo na rua ajuda a não poluir o meio ambiente; que a água que economizo no banho ou em outra atividade, ajuda a não secar nossos reservatórios; que ser honesto ajuda a combater a corrupção; que ser pacífico ajuda a combater a violência; que não comprar determinada marca ou não usar determinado serviço, ajuda a combater trabalho escravo ou alguma ideologia que esteja atribuída ao produto/serviço...
Bem, ao londo da vida tenho assumido a filosofia do "faça a sua parte" e tenho duas coisas a dizer a respeito dela: ela funciona e ela não funciona.
Fazer a minha parte tem funcionado muito no que diz respeito a percepção do meu lugar no mundo. Sim, determinadas atitudes falam muito do que penso sobre a realidade, de como me posiciono frente a determinadas questões, de como sou fiel ou não àquilo que acredito. Mas isso tem um caráter deveras pessoal.
Pessoal a ponto de me fazer perceber a minha pequenez ou a imprecisão de determinadas atitudes íntimas, diante de contextos maiores.
Ora, tenho o hábito de não jogar lixo na rua e tenho um círculo de amizades que compactuam com a mesma consciência que eu a esse respeito. Isso nos leva a ter um sentimento de "nobreza" ante às outras pessoas que não agem da mesma forma. Revoltamo-nos com quem age diferente e podemos até ser hostis. E no final das contas, qual foi o impacto da nossa filosofia ante a grandeza desse problema no mundo?
A mesma questão coloco com relação às outras "minhas partes" que tenho feito. O que elas mudam?
A resposta é que elas mudam a mim e (às vezes) aos meus. Esse é seu real alcance!
Mas estou querendo dizer que aquela ideia maravilhosa, que começa comigo e que é capaz de contagiar o mundo não funciona?
Repito: funciona na minha vida e talvez nas dos meus. Mas não tem impacto algum sobre o mundo.
Estamos perdidos?
Talvez!
Enquanto estamos preocupados em nos condenar a cada atitude nossa, a cada filosofia que não conseguimos aderir - e isso inclui grandemente as filosofias do viver mais e melhor: comer bem, exercitar-se, estar de bem consigo e com o mundo, não cultivar maus pensamentos etc. - existe uma conjuntura bem maior que nós, que continua funcionando muito bem e que não é atingida pelas nossas pequenas filosofias de vida.
Então, é bom estar ciente de que o mundo não será mais limpo, porque eu sou. Enquanto eu não jogo lixo nas ruas, empresas lucram muito dinheiro produzindo produtos que viram lixo e que não sabemos como descartar (a culpa é de quem mesmo?). Enquanto condenamos as populações menos abastadas por livrar-se de seu lixo (produzido por quem?) em rios, estas mesmas pessoas que pagam tantos impostos quanto nós, continuam sem coleta de lixo e sem outros serviços públicos aos quais têm direito e, paralelo a isso, enquanto nos preocupamos com a "sujeira dos pobres", são grandes hotéis e grandes indústrias que despejam seus dejetos em nossos rios. Enquanto nos culpamos por problemas de saúde por não termos uma alimentação saudável, os grandes produtores continuam a nos ofertar alimentos modificados geneticamente e cheios de pesticidas. Enquanto nos culpamos pela diminuição das nossas reservas de água e tomamos banho de gato para não desequilibrar o mundo, a agropecuária consome 69% da água potável disponível e nós apenas 21%. Enquanto jogamos restos de comida no lixo e nos condenamos pelo desperdício, apenas 1 bovino consome 18 kg de alimento por dia.
Diante de tudo isso (e muito mais) fazer a nossa parte ajuda?
Talvez, se não pensarmos que um ato individual(ista) seja capaz de mudar qualquer realidade.
Estamos inseridas/os em um sistema socioeconômico predatório e, enquanto ele existir, essas mazelas continuarão existindo. Esse sistema abarca outros sistemas em si, como o agronegócio, ou as ideologias individualistas de responsabilização pelos problemas do mundo, ou a meritocracia como saída para a ascensão social. Mas a verdade é que, enquanto não derrubarmos o grande sisteme e seus subsistemas, continuaremos a conviver com todas essas mazelas que lhes são inerentes e as próximas gerações até que as condições de vida não sejam mais possíveis ou até que paremos com tudo isso, não de maneira individual, mas com consciência e ação coletiva.

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